terça-feira, 11 de dezembro de 2012


HOMENAGEM AO DIA DOS PROFESSORES 
ESCOLA MACHADO DE ASSIS








PARA OS PROFESSORES

Eu não sei quanto tempo faz
Que eu aprendi
A escrever o meu nome
Com a sua letra

Lembro quando
Segurou a minha mão
E me ensinou a escrever
A letra "A"

Das coisas que hoje eu sei 
Sei que aprendi
Aprendi a te guardar 
No coração.

Alunos da 3ª série
         Escola 



















quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

ATITUDE

ATITUDE   

   É impressionante a vida...                                     Alguns homens que são gênios
Se acham simples
Alguns homens que são simples
Se acham gênios
OBRIGADO
OSCAR NIEMEYER
Por ajuntar as duas virtudes
E nos mostrar
Que é possível ser HUMANO.

 

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

CADEIRA DE BALANÇO.



— Eu nem sei qual é a canção que toco agora. – Pausa. – Vejo os ponteiros do relógio andando em círculos... – Disse o menino já impaciente ao pai.
— Ei! Deixa os ponteiros do relógio fazerem o seu trabalho e preste atenção na música... Mas o quê tem a ver os ponteiros com a música?! – Gilson berrou lá da varanda.
— Pai, você pediu pra contar o tempo...
— Sim, mas o tempo da música.
Sávio voltou a concentrar no teclado. As novidades à mercê de alguns botões. Acionou um. Jingle Bells encheu a sala.
— Eu não pedi pra você estudar? Por que tá brincando?
— ... E... um ... E dois. E um... E dois... E...
— Conte mentalmente o tempo, eu não preciso ouvir!
Silêncio.
— Ei! Por que não está tocando?!
— Você disse que não quer ouvir...
— Não quero ouvir você contando o tempo. E deixa de fazer gracinhas e estude... Use a mão esquerda também!
Sávio enrubesceu. Há três formas de aprender músicas, pela própria vontade, pela vontade dos pais e pelo status. Pensou o garoto. Mamãe canta porque gosta de música, papai toca guitarra por status e eu? Pela vontade deles.
Quando o sol adormecia, observava os pais sentados na varanda fazendo planos. Ele estava acostumado a fazer planos. Não era como os planos de um adulto. Tudo o que queria era ser selecionado numa peneira, ser um grande jogador de futebol, dar entrevistas, discurso rápido. E se tivesse que contar o tempo, que seria esse o tempo do jogo começar. Um dia para ser bom tem de ser planejado. Da varanda observava os pássaros oferecendo rasantes. Pássaros não fazem planos. Todos os dias sabem que precisam de comida, e se apenas pensassem, não se alimentavam. Às vezes voava como eles e, de tanto pensar, não pensava nada. Gilson entregou-lhe alguns CDs e disse para ouvi-los.
— Pai, hoje eu não posso, tenho que fazer um teste. – Sávio disse, falando com os olhos e com as mãos.
— Deixa o menino se divertir, homem de Deus. – Pausa. – Quando ele se interessar pela música, vai nos encher de orgulho. Não é, filho? – Disse a mãe, observando o teclado e a cadência harmônica que o menino estudava. – Eu andei observando, Gilson, o tempo na música é contado sempre em busca do acorde que ainda não foi feito ou da nota que ainda vai soar e, mesmo que eu não veja, há movimentos dentro da música, ouvindo-os eu os sinto, sentindo-os eu posso compreendê-los e é justamente isso que faz o encanto. Há um tempo para todas as coisas, não é, querido? – Ela disse, estendendo as mãos para o filho.
Sávio respondeu gesticulando com os ombros.
O dia acordou cinzento. Gilson sentou na cadeira dos planos e se dispôs a enfrentar o domingo. Sávio tinha onze anos quando dera o nome à cadeira. A mãe gostou, pois, quando sentava ali as suas indagações ganhavam respostas. Dois dos seus planos mais importantes tiveram início ali e só depois foram apresentados na única igreja do bairro. Agora o salão da igreja tinha curso de costura e de pintura, mas não tinha ninguém para costurar nem pintar. Não basta realizar os planos, dá trabalho mantê-los. Mas isso cabia ao pastor resolver. Ela havia feito o mais difícil, pensar.
Ela sentou na cadeira dos planos com o orgulho de quem queria pensar em inovação. O estilo de vida da sua cunhada Margarida tomou o restante do dia, dos seus planos e dos seus afazeres. No final do dia pensamos mais no que fizeram e pouco no que fizemos. A sociedade nos ensina isso, afinal, vemos notícias para saber de quem? Da cadeira, enquanto pensava, viu os móveis fora do lugar. Observou que o marido precisava ajudar mais em casa e que Sávio não estava bem na escola, mas, precisava pensar.
O feriado da segunda-feira estava cheio do sol. Um vento brando deslizava rasante, deitando as folhas do mal cuidado jardim. Gilson observou o Sr. José se aproximando. Há dias o seu pai não o visitava. Enquanto aguardava a chegada em passos lentos do seu gerador, Gilson forçava o corpo para movimentar a cadeira em que estava sentado. O esforço não o tirava do lugar. Tantas coisas simples ele poderia fazer. Visitar amigos, ligar apenas para dizer “tudo bem”?  Poderia simplesmente ver o filho jogar futebol ou se dedicar mais à música. 
— Como vai a vida, moço? – O Sr. José quis saber, após uma longa conversa com o filho.
— Tá indo. - Gilson respondeu fazendo movimentos na cadeira.
— Pretende ir com ela? – Gilson sorriu. Precisava levantar e viver, antes que o tempo se distanciasse. 


domingo, 2 de dezembro de 2012

UMA QUESTÃO DE ELEGÂNCIA


A música do Roberto Carlos tocava no rádio de um dos carros parados frente à sorveteria em que estávamos. “Amanhã de manhã, vou pedir um café pra nós dois”. Tomávamos sorvetes, outros, cerveja. Antes, a canção “Eu e Ela” ganhara dimensões em nossos corações, mesmo não concordando com os dizeres: “Coisas lindas são faladas na madrugada”. – Na hora do meu sono não consigo dizer nada. Nem sonhando. Coisas bonitas são ditas na hora certa, agora, se for a Paula Fernandes, pode ser de madrugada, eu acordo.
Mara estava linda em cima dos saltos, mas confessara, aqueles sapatos lhe faziam bolhas nos calcanhares. A estética vale mais que o conforto? Penso que sim. Pensando por elas. Uma amiga minha economizou três meses para comprar um vestido que para mim não valia quinze dias, mas gosto é opinião e ter opinião é uma questão de opinião. No meio de tantos vestidos que cobririam a pele, escolheu um que não lhe guardava o corpo. Queria arrasar na festa. A natureza é feminina, mas desconhece a estética para propor o conforto. No dia em que a minha amiga usou o vestido, o tempo mudou. Tremendo, ela suportou o frio. Negou-se a usar um casaco, pois a jaqueta era feia, o vestido era lindo e ela estava elegante.
Mara estava elegante, mas os sapatos não pensavam assim – se é que os sapatos pensam, pois se pensassem, seriam inimigos mortais no dia em que não quisessem sair.
            Os cabelos soltos, compridos, negros. Calça justa e de tão justa parecia que o corpo escondia a calça e não a calça o corpo. A blusa com gola em “v” era normal.
— Amanhã de manhã, você vai pedir um café pra nós dois?!! – Ela disse sorrindo. A conversa voltou para a canção que ganhou pauta de filosofia.
— Posso pedir.
Falei. Mais querendo ser romântico que elegante. É uma estética. Você diz que me ama e eu vou responder da mesma forma para o instante ficar bonito. O conforto é verdadeiro. Pensei no quanto é elegante convidar alguém para tomar um café. Penso também como é deselegante convidar alguém para conhecer o apartamento. O café é um grão que se torna pó, que vira líquido. Depois de fervido se torna elegante. Todo mundo convida ou já convidou alguém para tomar um café.
— Acho cafona essa coisa de convidar uma mulher para um cafezinho...
Mara disse sem rodeios.
— Eu acho elegante. – Respondi convicto, pensando na teoria do professor Edilson Ortiz. Contou-me certa feita que, no intervalo de um curso, notou que a sua colega – também adepta à ideia de que é cafonice convidar alguém para um cafezinho – aguardava o pessoal para os comes e bebes. Ele, certo da sua teoria, usou a prática para convencer a moça, que não mudava de opinião. Enquanto ela esperava, ele lhe apresentou dentro de uma bacia outro fruto da terra, uma banana.  A moça espantou-se. Observou o gesto sem entender. Depois de esboçar um embaraçado sorriso, indagou:
— “O que é isso”?!
 Ele explicou:
— Já vi muita gente convidar alguém para tomar um café, mas nunca vi ninguém convidar outro pra comer uma banana.
A moça mudou de expressão e aderiu-se a elegância de um cafezinho.
Depois de ouvir, Mara lançou-me um olhar demorado.
— Amanhã de manhã, vou fazer um café pra nós dois...
Sorri.
— Que tal à tarde?
— Pode ser. Um convite para um cafezinho é elegante a qualquer momento.

sábado, 3 de novembro de 2012

O MENINO QUE NÃO AGRADAVA.




O MENINO QUE NÃO AGRADAVA.
                                  “Só sei que nada sei. - Sócrates”.

A simples raiva virou um choro. Não fora ele. Eles estavam errados. A chuva fina alongava o dia. Carlito esticou-se no chão, nada para latir. Cafu dormia de forma desleixada no sofá. Enquanto a sua mãe não chegava, tinha como companheiros um labrador e um gato da raça ragdoll. Sem nada para fazer, sentou-se no chão do seu quarto, tendo nas mãos uma revista e, no colo, Carlito. Tio Patinhas espalhado por todo o quarto. Na parede, um pôster do Rocky Balboa intensificava-lhe os sonhos. Por alguns minutos manteve os olhos fixos na porta do armário. A frase copiada no cartaz, mas a mensagem, escrita no coração.
A vida é como fazer um filme, você faz comédia, as pessoas vêem terror”.
A chuva cessou. Junior olhou pela janela sabendo que tinha chegado a hora. Todos os sábados atravessava a rua com calçadas quebradas. Caminhava longos minutos em meio aos sobrados com desídias pinturas, chegava à rua dos camelôs e tomava o ônibus na rua das casas galantes. Em outras ocasiões, seguia até a praça, sentava ao pé da estátua e se parecia com ela. Às vezes a observava. O homem retratado ali ajudou tanta gente, mas para ser lembrado precisou que alguém fizesse uma escultura. Uma estátua na praça. A história da cidade se calava no coração dos seus moradores, que de tanto ver o monumento, não reconheciam a história.
O teatro estava lotado. Os atores realmente eram muito engraçados.
SORRIAM ENQUANTO FAÇO GRAÇA”!
Dizia o nome da peça, mas ao final, os atores a completavam com um “pelo amor de Deus”.  
Uma luz acesa no andar de cima? Mãe acordada. As luzes difusas, os carros antigos e os telefones de rua davam vazão a um só pensamento: “O tempo não andou nesse lugar”. Carlito pareceu mais sorrir que latir ao recebê-lo no portão com grades envelhecidas. Pela luz da rua notou que Cafu ainda ocupava o sofá quando abriu a porta.
— Quando você vai arrumar um trabalho decente, menino? – Gritou a mãe lá do quarto.
— Esse é decente, eu gosto. – Disse elevando o gato ao colo.  Cafu pedia colo quando queria comida. O ritual criado pelo bichano favorecia a compreensão do rapaz.
— Você precisa de dinheiro?
— Mãe, você sabe que gosto de trabalhar.
— Quando você se formar sabe que a empresa será sua...
— Eu sei mãe, mas até lá, quero trabalhar.
“Filhos não crescem”, dizia dona Gal sempre depois de uma conversa. Uma mãe crítica, que não perdia de vista o seu “meio homem, meio jovem”. Nos últimos dias Junior andava estranho, impaciente, asqueroso. Já se acostumara a não vê-lo com amigos. Perguntava-se por que, pois, era um adolescente disposto a ajudar qualquer um. Nas horas vagas se ocupava dos colegas de sala para ensinar matérias tipo física, química e matemática. A empresa referida por dona Gal era uma simples ótica no centro da cidade. Dispunha de três funcionárias e um técnico contratado como free lancer. Uma revista local a elegeu como a empresária mais bela do ano, título que ela, aos trinta e cinco anos, sustenta com o orgulho e a confiança de um jogador de futebol.   
Ficaram observando quando ele passou sem cumprimentar as pessoas. Rauane foi a que mais sentiu. Diante dos amigos, ela precisava disfarçar. Junior, apesar de inteligente e cavalheiro, não era o tipo de pessoa que a encantava. Ao passar por ela notou quem lhe segurava a mão. No banheiro, enquanto enfrentava a sua imagem, refletiu sobre um conto do Machado de Assis. “Queda que as mulheres têm para os tolos”. Machado tenta explicar algo que os filósofos estudaram e que ele presenciava naquele momento.
A banda da escola começara a tocar. O baixista alheio não perdia o tempo da música. O hábito nos permite certas habilidades, fazer algo enquanto os pensamentos vagueiam.  Luana sentou ao lado do rapaz quando o evento terminou. Ela sempre fazia aquilo. O irmão estava precisando de ajuda. Ela não suportava a mãe dele, mas amava o pai que tinham.
— Ei! – Sacudiu-lhe os ombros. – Você não precisa ficar assim... Existem outras.
            — Tá tudo bem. Vai passar. – Sorriu.
— Olha, no fim de semana haverá um show de Stand Up... Você poderia ir comigo... Tá precisando sorrir um pouco e o comediante é dos melhores... Já se apresentou na TV... Sabia?
— Eu sei.
— Sei que sabe, mas quero que se alegre um pouco – fez uma pausa enquanto ajeitou-lhe a camiseta sobre os ombros – anda muito triste ultimamente, viu? – Disse, tocando-lhe o rosto com o dedo indicador.
Ela tinha razão. Os fatos, as lembranças diziam isso. Ela não estava sabendo. Não era de velar o passado, mas esse o incomodava e cenas quase recentes impingiam a sua bondade. Depois que a irmã se afastou, deixou que os seus pensamentos visitassem momentos dentro dele. Por que as pessoas se cansam umas das outras? Averiguou. Tendo como principio os acontecimentos atuais. Como a brancura de uma luminária um fato acendeu-lhe as lembranças...
— Acho que já vi isso! – Disse em meio a um sorriso instintivo. Diante dos seus olhos uma menina chantageava a mãe. Correu os olhos pelo balcão de vidro, lá estava o motivo. A mãe envergonhada diante da vendedora que, radiante, explicava as funções de um mega celular. Olhou para a sua amiga. Na escola, era tão doce.
— Por que você faz isso? – Disse segurando a mão dela.
— Eu preciso.
— Mas precisa de um desses?
A menina espantou-se. Ele era o seu melhor amigo, mas não podia interferir em suas vontades. Por ternura, aceitou responder.
— Eu vou levar esse. – Disse a mãe à vendedora. Mais para que ele ouvisse.
— Sim, eu gostei dele. Tem todas as funções. – A menina respondeu com um meio sorriso.
— Sim. Ele é muito bom mesmo, mas, você precisa de todas essas funções?
— Digamos que não vou usar todas, mas se um dia eu precisar...
— Quanto tempo dura esse “se um dia”?
— Por que essa pergunta?
— É porque quero aprender.
— Não sei. Nunca pensei nisso.
— Então responda à primeira pergunta. Eu realmente quero entender porque as pessoas cedem às necessidades. A necessidade escraviza as pessoas. Você realmente precisa desse?
— Eu não quero mais este. – Disse, erguendo o celular quase antigo. Ele sabia o tempo. Há três meses entrara com ela e a mãe numa loja. Ela se encantara com aquele.
— Nem tudo que queremos é bom.
— Sim, eu sei disso!
— Desculpe, eu... Só quero entender.
A menina andou pela loja observando as novidades, mas não as via. As perguntas dobravam seus sentimentos. Precisava realmente de algo caríssimo?
A cicatriz no supercílio esquerdo. O espelho o fez voltar. Num tempo ainda mais distante. Num tempo em que os seus três irmãos não tinham respostas para todas as suas perguntas. Desprovidos do conhecimento, agrediam. As perguntas têm o poder de despir as pessoas. Para não ficarem nuas, atacam. Lavou o rosto. Lembranças bem lembradas não escurecem o presente. Sorriu. Ainda conseguia pensar. Aceitou a situação e compreendeu que um simples aparelho celular pode esconder uma pessoa dentro de si mesma ou revelar seu caráter.
— Você pergunta demais... E pelo que sei, você não é tão bobo assim. – Rajii respirou antes de dizer, e sem sotaque. – Olha só... Você perguntou a minha opinião... E... como amigo, na boa, cara, sem ofensa, você ajuda todo mundo – fez uma pausa – não acha que tá na hora de você ajudar a si mesmo? Olha só o que dizem de você!
— Você acha que ela mudou depois daquele dia na loja?
— Você com suas perguntas a fez desistir de um mega celular. E ainda mais, fez a mãe dela parecer que não tinha condições de comprá-lo.
— Que conceito é esse, cara?! De onde você tira essas ideias?
— Oh cabeção, há quanto tempo eu ando com você? Às vezes falo muito, mas eu penso. E também nós três sabíamos que a mãe não tinha condições de dar à filha um aparelho daquele.
— Três?!
— Uh! Eu, você... A Rauane...
Junior começou a sorrir. Não de alegria, mas da luz que clareava um passado sombrio. Se pudesse mudar o mundo, mudaria o seu próprio mundo.
Rajii sentou ao lado dele enquanto o professor falava. Fazia sentido, mas o seu amigo abusava nas indagações. Junior tinha noção do rumo que a sua vida tomara. Vinte e quatro horas é muito tempo para um dia. A bíblia não menciona o tempo da dor, mas Jó aprendeu isso[1]. Ele estava aprendendo também. No final somos o resultado de um processo. Refletiu sem muita convicção no que pensava. Um dia você acorda e percebe que o mundo não mudou, as pessoas modificaram-se.
— Não é porque no passado os filósofos questionavam tudo que a minha geração se dá ao luxo de se sentirem sábios apenas com as respostas. Por que temos mais respostas que perguntas? – Concluiu o professor com desdém.
— Já encontraram os culpados? – Junior quis saber. Rajii apenas meneou a cabeça.
— Fizeram ameaças.
— Eles sabem que não foi você quem os denunciou.
— Mas denunciaram os caras e eles estão bufando de raiva.
— Tem quase quinhentos alunos nessa escola. Por que pensam que foi você quem falou? Pode ser um desses que compram drogas deles, nunca se sabe...
O Espetáculo ia acontecer à noite. Luana ligava com intervalos. Precisava saber se o irmão ia estar com ela no show. Junior estava com a cabeça em outra coisa. Felipe o ameaçava por ter sido denunciado e ainda para afastá-lo da Rauane. Alguém denunciara o grupo dele alegando tráfico de drogas dentro do colégio. Junior, por preferir sempre a justiça, foi acusado por injustiça. “É muito mais fácil não acreditar num justo que duvidar dos injustos”, cogitava em seu coração, lembrando que sempre fora tratado assim, como um impostor.
No momento em que o telefone tocou novamente, uma notícia explodiu na TV.
— Oi! – Pausa – espere um pouco... Hein?! – Silêncio do outro lado da linha. – Eu sei! Tô vendo aqui. Será ele mesmo? Ok, vou correndo lá pra ver... Sim, eu vou até lá... Sim... Um beijo! 
Junior sentou frente à TV. Duas emoções invadiram-lhe a alma. Primeiro, descobriram quem denunciou a gangue do Felipe. Esse sentimento lhe deu contentamento. Segundo, Rajii o seu amigo, fora preso em flagrante traficando drogas dentro da escola. Esse sentimento lhe trouxe pesar. Nunca se sabe quem realmente está conosco. Logo ele que se colocava como o senhor do bem. Rajii, em busca de território, acusou a gangue do Felipe. Rauane, revoltada vendo o namorado indo preso, denunciou aquele que a jogou contra o seu melhor amigo. Rajii era o maior responsável por causar intrigas entre as pessoas. Junior, encostado numa árvore, observou o seu amigo, adolescente como ele, sendo preso. Rajii atiçava o descontentamento alegando que Junior perguntava demais. Ele tinha certa razão, mas sobre as perguntas, refletiu numa frase que aprendeu. Retirou da mochila um bloco de papel e anotou:
Aquele que perguntava, perguntava por que dizia: Só sei que nada sei.

Enquanto caminhava rumo ao show, Junior observava que as pessoas aguardavam eufóricas o momento do espetáculo. Os seus inimigos estavam lá, os raros amigos também. Pensando, encontrou respostas para as suas indagações. A bíblia não diz, mas quando Pedro caminhou sobre as águas[2], deixou dentro do barco três tipos de pessoas: as que aprovaram a sua atitude, as que a reprovaram e as que não tomaram partido: essas jogam conforme os resultados.
A plateia explodiu em aplausos quando ouviu:
SORRIAM ENQUANTO FAÇO GRAÇA... PELO AMOR DE DEUS”!
O comediante sentou-se feliz diante do espelho, certo de que fazia um grande trabalho. Luana sentou-se ao lado dele. Encantada, observava a retirada das máscaras.
— Por que não disse que era você?
— Era o meu segredo.
— Por isso recusava a vir comigo?
— Você queria me ver sorrir, mas como sorrir se sou o comediante?
Luana conheceu ali o seu irmão caçula. Podia odiar a mulher que roubou o seu pai, mas amava o irmão que tinha.
— Estão aí os que te odeiam. – Disse, apontando em sentido à plateia.
— É, eu vi.
— Quando souberem quem é a pessoa que eles aplaudem...
— Não se preocupe, os homens tendem a amar as máscaras.   
Sorriram.


[1] Jó-1,1
[2] Mt 14,22

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

A ESPERANÇA NÃO PÁRA NUMA PEDRA


No meio do poema de Drumond 
Tinha uma pedra

Mas ele não desistiu do caminho
Nem da pedra
Nem do poema
Nem de encontrar as palavras certas
Nem de ser...
Humano.

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

VIDA


VIDA

No movimento da vida há um tempo circulando
Dias de chuvas e de sol
Dias que são noites, dias que são dias
As vezes temos períodos de manhãs sem alvorecer
Tardes sem brisas suaves
E noites escuras, sem luas.
Diante da dor de SER humano, nos humanizamos
Na paisagem um olhar
Nos olhos o encanto
No coração
A certeza
O SOL NASCE  E SE PÕE PARA TODOS.





sexta-feira, 12 de outubro de 2012

O RELÓGIO, O TEMPO NA PAREDE. (Conto)


                 
                                                                                             Foto: Reprodução    
Faltam os móveis. A casa ficará para trás, o quintal modificará, os muros virarão paredes, mas a rua será a mesma. As árvores crescerão, os postes serão trocados. O tempo dirá. A rua quando receber o asfalto será uma avenida dentro de mim. Por ali passarão as lembranças, as saudades, a vida. Dizem que quando as pessoas crescem sentem pesares. Eu carrego uma rua dentro de mim.

O céu, cinzento todas as manhãs. À tarde o neon, inconfundível. Tudo muda. Mesmo sem buscar um novo lugar. O sol nunca dorme. Os dias aqui são claros enquanto a noite passeia em outros lugares. Aqui parece amanhecer mais tarde. Mesmo que eu não perceba, o sol peleja com o nevoeiro.
Vejo as nuvens se desenhando, obedecendo ao sol.
— Mariah, deixa esse diário um pouco. Venha ver uma coisa!
— Espere. Falta uma frase... Mas... Que coisa?
— Venha ver.
— Tá bem, tô indo.
Os minutos avançam e a minha espera se desespera.
— Olha, você tá perdendo...
— Mas que insistência! Me deixa em paz. – Mariah respondeu se ajeitando e ajuntando as pernas. O diário a roubava de mim.

A minha poltrona é a número 12. Doze também é a rua que não sai de mim. Tenho doze anos e já são 12h00min. Juntando o meu nome com o dela, doze letras. Mariah e Antony. Sou nascido aos doze de dezembro, ela, vinte e um do mesmo mês. Há um instante na vida em que tudo fica exato? Perfeito pelo menos duas vezes ao dia? Não vou terminar o meu prato com doze garfadas. Poderia até ser assim, mas no restaurante em que me encontro há mais de quinze pessoas. Nem tudo é exato. Se fosse, que graça teria?

A brincadeira de esconde-esconde, ela se esconde junto a mim. Vejo nossas sombras unidas. A lua revela nossos desejos, tímidos.
— O que você queria que eu visse?
— Não importa mais.
— Ah! Importa, sim.
— Não sei não, hein?!?!
— Não faça essa cara, eu não gosto.

O ônibus pára. Um cara com feições trogloditas ocupa a poltrona do outro lado. Ele vira para guardar a sua bolsa no bagageiro acima. Percebo que há um número 12 na sua camiseta.
— Sim, jogo vôlei.
— Mas eu não perguntei.
— Mas ia perguntar.
— Sei não, hein...
— Então por que me encarou?
— Nada...
Encolhi na poltrona.
Doze.
Caminhamos pela estrada. Ela tem um diário e canetas coloridas. Com ambas as mãos os prende na altura dos seios. Mergulho num silêncio que é só meu. Ela fala compensando a falta de palavras. A sua voz não cobre o crepitar dos seus passos dissolvendo o cascalho.
— É aquela ali? – Disse apontando um ipê florido.
— Não.
— Falta muito?
— Alguns passos.
— Tá me deixando nervosa.
— Tô não. Você é nervosa sempre.
— Uh! Tô falando da ansiedade.
— Mas também é impaciente.
— Você que é impaciente... Não espera quando me demoro aos seus pedidos.

Meu pai conversa com o troglodita, mas apenas resmunga. Escuto um “sei”, e “runrum”. Meu pai é um músico. Não fala muito. Quando está ausente fica me ligando; quando presente, fica ausente e não liga.

— Amoras!
— Eu conheço amoras. – Ela diz. Falando mais com as mãos.
— Sei que conhece, mas eu quis dizer.
— Você fala como se eu não soubesse.
— Você nunca tá pronta...
— Pronta pra quê?
— Pras coisas que eu quero lhe mostrar.
— Tá vendo, já ficou irritado.
— Olha como você tá falando...
— Tudo bem. Desculpe. – Ela se afasta alguns passos e fica a ver as colinas. Os outros foram para outras árvores. Os pássaros, nossa companhia. Percebo o vento em seus cabelos. Eles se movem como a minha certeza de que não vou conseguir ler o livro escolhido por ela.

O ônibus pára novamente. Troglodita saúda o meu pai. Doze. Percebo quando descem os seus amigos. Frente a um ginásio. Ouço a sua voz ecoando em minha cabeça. “Sim, jogo vôlei”. Precisava dizer? Não pasmem. Contei mentalmente as doze letras.

— Por que ficamos com o pé de amoras?
— Saiu no sorteio. – Falo já esperando uma ofensa.
— Não gosto de amoreiras, mas percebo que só nós temos a árvore diferente.
Não havia observado. Lancei um olhar de fazendeiro observando o gado. O meu melhor amigo ficou com um dos pés de jambo, os demais se contentaram com as mangueiras.
Para pôr fim à guerra dos sexos, uma professora quis aproximar os meninos das meninas antes que houvesse o pior. Foram selecionados os brigões, doze. Seis casais. Cada menino teria que escolher uma árvore. As meninas escolheram os meninos. – Se essa tarefa fosse dos meninos? Homem não sabe escolher com o coração, mas com os olhos, disse a psicóloga batendo as mãos nos quadris. Depois de escolhida a primeira etapa, no sorteio, as meninas escolheriam um livro romântico para os meninos e os meninos teriam que escolher um que falasse de futebol. Valendo pontos e a permanência na escola, teríamos que sentar juntos embaixo de uma árvore, trocar ideias sobre o que fora lido e fazer um relatório.

Vejo a rodoviária. Chegamos. Meu pai alcança primeiro a guitarra. A mala logo a seguir. Disse para que eu cuidasse das minhas coisas. Com doze anos já com malas para cuidar. Meu pai precisa de mim. A minha tia Carla veio nos receber no portão. Abraçou-me e, com um beijo, disse que eu já estava um hominho. Fiquei feliz pelo “hominho”. Quando entramos lancei um olhar de adaptação por toda a casa. Meu olhar me fez bem. Teria aquela magnífica casa para morar e uma linda tia que gostava de mim. O meu pai não parava em casa, compromissos da banda. A minha mãe casou-se e o meu padrasto não me aceitava. Fui morar com o meu pai, que morava em lugar nenhum.

— Obrigado, Mariah. – Disse, avaliando o livro.
— Espero que goste. – Ela é linda, pensei. Qualquer coisa que viesse dela eu ia gostar.
— Espero que você goste desse aí também.
— Sim.
Jeito descontraído, um olhar que muda um sentimento e falar de quem está ansioso. Leio Mariah assim. Ela se encosta para ler. Os cabelos cobrem o seu rosto. No momento em que desejei tantas coisas, quis ser um desenhista para traçar todos os detalhes dela lendo um livro e recostada em uma árvore. Fotografia é muito urgente, uma câmera poderia ocultar detalhes que os meus olhos queriam levemente rabiscar.

Os três primeiros dias de aulas meu pai me deixou na escola. Voltava de Van.
Antes que o relógio marcasse meio-dia, vi a minha tia conversando com a vizinha. Relutei a ir com a vizinha para o colégio. Meu pai não estava na cidade e a minha tia não podia, habilitação vencida. A relutância durou até notar que a filha da vizinha seguia comigo para o colégio.
— Você é do grupo SM? – Disse sem me encarar nos olhos.
— Sim.
— Tá explicado.
A mãe dela conferiu os nossos cintos antes de fechar o portão.

Sou um homem parado frente a um relógio na parede. Parte de mim ultrapassa o 12, mas se move como os ponteiros. Do que valem as lembranças? Acho que para esconder o futuro. Esse mesmo relógio marcava 12 horas quando aconteceu o nosso primeiro beijo. Depois de cinco anos a casa ainda é a mesma por dentro; por fora, uma pintura nova.

Mariah é comissária de bordo e chega daqui a pouco no vôo das 12 horas. Enquanto a espero, relembro os nossos dias. Eu trabalho com vendas e estou aqui com a mãe dela. Estamos felizes, amanhã será o nosso casamento. A festa acontecerá na rua doze Nº 1212, casa dela. Há um relógio preso no alto do saguão no aeroporto. Na verdade há um relógio dentro de nós contando um tempo feliz. Pelo vidro da sala eu vejo... O avião pousando como um pássaro. Vejo ao meu lado pessoas se movendo... Vejo o relógio marcando 12 horas... Vejo, alguns segundos depois, pessoas como eu desesperadas ao ouvir uma explosão na pista. As chamas propagam como as minhas lágrimas. Dissolvem o que há na aeronave. Estou frente ao relógio procurando respostas. Será que ela não está em outro vôo? Bombeiros se revezam.
Frente ao relógio. Fecho os olhos e a vejo chegar, num avião que não chegou.







quarta-feira, 10 de outubro de 2012

*************** CLARICIANDO O LISPECTADOR ***************



Acho que,   meio Clarice,
Ando meio Lispector
Dentro de um eu
Buscando um alguém
Que se Claricia
Que se Lispectoria
Que se encontra
Que se perde
Que tem nas procuras
A esperança de chegar
Como quem nunca chega
Quando busca a si mesmo.


PARA OS PROFESSORES

Eu não sei quanto tempo faz
Que eu aprendi
A escrever o meu nome
Com a sua letra

Lembro quando
Segurou a minha mão
E me ensinou a escrever
A letra "A"

Das coisas que hoje eu sei 
Sei que aprendi
Aprendi a te guardar 
No coração.

Alunos da 3ª série
         Escola
Machado de assis

domingo, 23 de setembro de 2012

LUIZA, EU GOSTO DO SEU NOME

                                                                       
Ela estava sentada na arquibancada da quadra do colégio, tinha feições de choro e, sozinha, rejeitava o mundo. Era tão pequena para um grande mundo. As dores? Maiores que o universo. Com onze anos, pensava que os adultos não tinham dores humanas, afinal, onde estão os meus pais? Ou melhor, onde estão os pais? Questionava. Questionava e questionava. As suas perguntas eram grandes como o abandono. O seu pai tinha uma nova namorada e outra casa. A sua mãe, um novo namorado e a ficção de que encontrara o príncipe encantado. As princesas e os príncipes encantados roubam das pessoas o direito de serem pessoas. 
A sua data de nascimento não era tão distante da sua idade atual, mas ela já se apaixonara. Já namorara e também já trocara de garoto três vezes. O encanto de um príncipe dura até se acostumar com o outro. Ninguém está preparado para se acostumar com alguém. A beleza perde a essência quando se acostuma e é nesse momento que precisamos ser fiéis, não ao outro, mas a nós mesmos.
Ela não gostava dos espelhos, mas gostava de maquiagem. Maquiagem sem espelhos distorce a beleza. Ela não gostava de estudar, mas sabia que para entender as respostas precisava de conhecimentos e, para isso, era necessário ler. Ler muito. Mas não queria. Estava presa nos questionários que roíam por dentro. As indagações lhe cansavam a alma, doía o corpo, mas mesmo cansada não conseguia dormir. Depressão.
Quem me escolheu para viver? O meu pai de nova namorada não se lembrava de mim. Quem me escolheu para amar? A minha mãe apaixonada me via, mas não me enxergava. Quem me escolheu para ficar comigo? A minha avó, mas não foi na paixão dela que eu nasci. Nem sei por que nasci. Sei que tenho um nome, que tenho que ir para a escola, que tenho tantas coisas... Mas tudo isso não têm sentido.
Perguntas. Ela se questionava. Queria se ajustar ao mundo. Perdeu a vontade de viver. Fazia planos. Muitos planos, mas sempre o mesmo plano. Quando morresse ninguém ia se importar. Deixaria uma carta? Para quem a carta? Não tinha amigos, não estava namorando, nem falava muito com a sua avó. Para quem uma carta? Para os professores? Eles iriam desviar seus planos.
O barulho da quadra foi se ausentando. A claridade foi amarelando até encontrar a escuridão. Tudo escurecera.
Quando ela acordou encontrou-se rodeada de pessoas. Demorou para reconhecer a sala onde estivera algumas vezes, a sala da diretora. Há dias não se alimentava direito e nem dormia. Desmaiara e foi socorrida por algumas pessoas que estavam na quadra.
Depois que todos se afastaram, a professora Sandra sentou-se ao seu lado. Acariciou-lhe os cabelos e a abraçou. Não disse palavras. Uma atitude diz mais que as palavras. A menina sentiu-se amada sabendo que a professora não era da sua genética, mas que preenchia a falta dos seus pais.
— Como é o seu nome? Sandra perguntou tendo ela no colo.
— Luiza, professora.
Sandra encheu os olhos de lágrimas e juntas choraram pela mesma dor que o tempo ajuntou ali. Tinha treze anos quando uma professora com o nome Luiza lhe salvara a vida. Depois que a salvou, permaneceu por perto, até ela encontrar uma razão para viver.

— Luiza, eu gosto muito desse nome.
 Sandra refletiu. Sentindo um passado que não passava.



sábado, 22 de setembro de 2012

ESCUTATÓRIA Rubem Alves


"como sou fã do Rubem Alves, vou dedicar nesse blog alguns dos seus textos"



Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória.
Todo mundo quer aprender a falar, ninguém quer aprender a ouvir.
Pensei em oferecer um curso de escutatória, mas acho que ninguém vai se matricular.

Escutar é complicado e sutil.
Diz Alberto Caeiro que "não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. É preciso também não ter filosofia nenhuma".

Filosofia é um monte de idéias, dentro da cabeça, sobre como são as coisas. Para se ver, é preciso que a cabeça esteja vazia.

Parafraseio o Alberto Caeiro:
"Não é bastante ter ouvidos para ouvir o que é dito; é preciso também que haja silêncio dentro da alma".

Daí a dificuldade: a gente não agüenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor, sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer. Como se aquilo que ele diz não fosse digno de descansada consideração e precisasse ser complementado por aquilo que a gente tem a dizer, que é muito melhor.

Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante e sutil de nossa arrogância e vaidade: no fundo, somos os mais bonitos...
Tenho um velho amigo, Jovelino, que se mudou para os Estados Unidos estimulado pela revolução de 64.
Contou-me de sua experiência com os índios: reunidos os participantes, ninguém fala. Há um longo, longo silêncio.
(Os pianistas, antes de iniciar o concerto, diante do piano, ficam assentados em silêncio, [...]. Abrindo vazios de silêncio. Expulsando todas as idéias estranhas.).

Todos em silêncio, à espera do pensamento essencial. Aí, de repente, alguém fala. Curto. Todos ouvem. Terminada a fala, novo silêncio.

Falar logo em seguida seria um grande desrespeito, pois o outro falou os seus pensamentos, pensamentos que ele julgava essenciais.
São-me estranhos. É preciso tempo para entender o que o outro falou.

Se eu falar logo a seguir, são duas as possibilidades.
Primeira: "Fiquei em silêncio só por delicadeza. Na verdade, não ouvi o que você falou. Enquanto você falava, eu pensava nas coisas que iria falar quando você terminasse sua (tola) fala. Falo como se você não tivesse falado".

Segunda: "Ouvi o que você falou. Mas isso que você falou como novidade eu já pensei há muito tempo. É coisa velha para mim. Tanto que nem preciso pensar sobre o que você falou".

Em ambos os casos, estou chamando o outro de tolo. O que é pior que uma bofetada.

O longo silêncio quer dizer: "Estou ponderando cuidadosamente tudo aquilo que você falou". E assim vai a reunião.
Não basta o silêncio de fora. É preciso silêncio dentro. Ausência de pensamentos.
E aí, quando se faz o silêncio dentro, a gente começa a ouvir coisas que não ouvia.

Eu comecei a ouvir.

Fernando Pessoa conhecia a experiência, e se referia a algo que se ouve nos interstícios das palavras, no lugar onde não há palavras.

A música acontece no silêncio. A alma é uma catedral submersa. No fundo do mar - quem faz mergulho sabe - a boca fica fechada. Somos todos olhos e ouvidos. Aí, livres dos ruídos do falatório e dos saberes da filosofia, ouvimos a melodia que não havia, que de tão linda nos faz chorar.

Para mim, Deus é isto: a beleza que se ouve no silêncio. Daí a importância de saber ouvir os outros: a beleza mora lá também.

Comunhão é quando a beleza do outro e a beleza da gente se juntam num contraponto.


segunda-feira, 17 de setembro de 2012

TODO MUNDO JÁ GOSTOU DE ALGUÉM




            — Todo mundo já gostou de alguém.
            Ouvi uma das moças dizendo quando passavam por mim. No corredor da universidade pessoas se desencontravam. Sentidos contrários também são caminhos. Com os passos não posso ir e voltar ao mesmo tempo, mas com os pensamentos posso partir ao mesmo tempo em que retorno. Não saio de mim. Às vezes até queria, mas tudo que consigo fica na imaginação. Quando gostamos saímos da primeira pessoa do singular para buscar repouso na primeira pessoa do plural. O eu busca o nós. O mundo passa a ter sonhos, sonhados com alguém.

            A frase quis que eu continuasse ouvindo a conversa. Passos ao contrário diminuíram o som, me distanciaram do fato, mas me trouxeram para dentro de mim. A força dos contrários. Há sempre um ir enquanto há um voltar. A frase ficou. Parti para um passado, não distante, mas lembrado. Lembranças lembradas não passam, ficam para aborrecer o presente.

            A filosofia desfilou pelo corredor e abriu caminho em um ser que não sabia se “todo mundo já gostou de alguém”. Pensava que só eu. Há tantos jeitos de gostar. Sartre já declarou: “Para saber uma verdade qualquer a meu respeito, é preciso que eu passe pelo outro”. Dicotomia? Sofia ao passar por mim fez pensar nos amores que desfiz e os que eu desprezei.
            Ela ditava seus conhecimentos à Clara e o interstício clareou não os meus gostares que de tanto mudar perderam a essência de perceber o outro, mas iluminou esse ser que já gostou ou gosta de alguém.

            Todos os dias passamos pelo outro. Alguns ficam, outros passam como os dias. Um dia só é lembrado quando em seu passar deixa acontecimentos belos ou trágicos.

Do quê lembramos no final do dia?

            O corredor não era suficiente iluminado para ver os olhos de Sofia, também não era um tanto escuro que não me deixasse ver beleza na inteligência. Há inteligências que fogem da generosidade dos livros para se esconder nos espelhos. Espelhos aprisionam por fora, a leitura aprisiona por dentro. Depois que o tempo andou, a beleza que reflete é a que vem de dentro.
            Nós crescemos. Revi Sofia. Num sentido contrário, penso: há beleza nos contrários. Um beijo nasce de dois movimentos contrários, um abraço...

            Observei os cabelos presos feito rabo de cavalo. A trança era como a minha impaciência buscando encontrar a palavra certa para continuar a frase. Ela se escondia atrás de um notebook rosa. Ouvi a professora no canto da sala avisar que a biblioteca estava para fechar. Ela acelerou seus afazeres e eu acelerei um diálogo sem rumo que, com ela, ganhou direção. Cogitei viver no mundo de Sofia. Não na estória de Jostein Gaarder, mas no encanto que à minha frente dispersava os meus caminhos. Que caminhos? O do saber. Aprender sempre, a vida me deu esse destino. Aprendo tanto que no final quando me perco, volto a aprender o que já aprendi. Tempos novos trazem conhecimentos modificados. Havia uma imensa razão em Heráclito quando afirmava que não é possível mergulhar duas vezes no mesmo rio, porque o rio e quem nele mergulha não são mais os mesmos no segundo mergulho. Assim concebo o meu saber, ele deve se renovar a cada instante.
            Sofia abriu um sorriso quando mencionei a frase. Gesticulou e indagou com espanto. Não disse palavras. Estalou os olhos e movimentou as mãos do meio para fora.
            — Quem te contou isso? Disparou. Sem brandura.
            — Ouvi alguém dizer no corredor.
            — Sei. O cavalheiro possui a mania de ouvir as conversas no corredor?
            — Se não quer que alguém ouça, não diga as coisas aonde todo mundo pode ouvir. – Fiz uma pausa. – Você tá coberta de razão, todo mundo já gostou de alguém...
            — Eu disse para a minha amiga...
            — Não, disse a mim também, eu ouvi.
Ela calou-se observando a tela do notebook.
            — Há quanto tempo nos conhecemos?
            — Há muito tempo, mas de conversa, há alguns minutos. – Respondi olhando no relógio. Ela guardou o notebook. Suspirou desolada. Silêncio...
            — O quê você ouviu?
            — Que todo mundo já gostou de alguém. – Ela passou por mim, mas antes de se distanciar, refletiu.
            — Pena descobrir isso agora, pois todo mundo já gostou de alguém. – Com ênfase no “todo mundo” disse girando a cabeça com ar de ironia.
            — Todo mundo também já odiou alguém de quem já gostou...
Eu disse sentindo o impacto das palavras dela. E sobre o meu raciocínio, acho que ela nem ouviu. A ira esconde o poder dos ouvidos.
            Os passos endurecidos, a paciência escassa, uma beleza rara e os gestos sem brandura confundiram o meu ser. As pessoas não são tão dóceis. As pessoas não são tão amargas, as pessoas são... despercebidas.

            Clara clareava o sorriso dos rapazes quando passava usando aquelas vestes. Os nossos olhares a seguiam como um espectador em corrida de fórmula-1. Ela cerrava as sobrancelhas. Sendo claro, ela não gostava. Por quê? Há certos olhares que dizem mais que palavras, mas admiração é admiração, desejos possuem outro olhar. Mike Murdock já disse: “Não podemos reclamar daquilo que permitimos”. Há um deleite em nossas estimas. Quando ser notado é uma graça, não modificamos nossas atitudes.

            A sala já estava quase vazia quando Sofia terminou a sua apresentação. Ninguém é bom na primeira vez e apresentar um trabalho valendo notas no final do semestre, beira o terror. Sabemos que ninguém é bom de primeira, mas queremos ser. Esse anseio... Deixa pra lá. Não posso confessar tremor nas pernas, falta de ar, respirar que não respira, fala que não fala...
             Clara foi ajudar Sofia a guardar o datashow. Usava calça jeans que não prendia a atenção.
            — Desculpe. – Sofia disse quando aproximei para guardar a caixa de som.
            — Do quê?
            — Pela última conversa.
            — Já desculpei.
            — Verdade? Ficou me observando enquanto enrolava uma extensão.
            — Posso ajuntar essas pastas? Clara perguntou.
            — Sim. Pegue aquelas também.
            — Onde?  - Clara indagou.
            — Naquela cadeira lá no canto.
            Mais bonita que Clara, chamava menos a atenção pelo seu jeito de vestir. Clara, menos preocupada com os estudos, conseguia menos conteúdo para apresentar um trabalho. Sofia sempre assumia a parte mais complicada das tarefas.

            — Você foi muito bem. Conhece bem sociologia, manja de filosofia, entende Piaget. Você tem bons argumentos...
            Eu disse. Encantado.
            Ela sorriu sem se inebriar com minhas palavras.
            — Gosto de aprender. Leio de tudo. Sorriu.
            Clara passou entre nós com algumas pastas nas mãos. Observei o fio do microfone deslizando como uma cobra enquanto Sofia o puxava. Sobre as poltronas ainda havia cadernos espalhados. Alguns conversavam na porta de saída. Quando iniciamos a apresentação a única porta era de entrada, quando terminamos, porta de saída. O contrário que vinha, era o mesmo que ia, assim como os humanos, aproximamos com as palavras e afastamos com as palavras.   
            Não concordo quando a beleza traz por dentro a ironia. A vida que circula nossos dias possui o poder da transformação, mas por que existem pessoas irônicas? Elas nasceram assim? Quem as transformou?  Rousseau responde: “O homem nasce bom, é a sociedade que o corrompe.”
Tínhamos treze anos quando começamos a estudar na mesma sala. Ela era tímida, sentava na primeira cadeira à minha direita. Por chegar atrasado, encontrava-a sentada quando eu passava. Rareava um olhar que cruzava o meu, não como alguém que já se conhece, mas de quem deseja se conhecer. Tinha olhos castanhos, riso raro com covinhas e uma extrema habilidade para tirar dez em todas as matérias. Eu? Bem, era muito popular para se preocupar com os estudos. Estudamos três anos juntos. Nunca conversamos, mas reparava nela como alguém que obedece aos olhos. Era ela linda, não demonstrava afeição à minha popularidade, também não frequentava a minha turma. Fomos separados de sala por cinco décimos na prova final de matemática. A popularidade desviou os meus rumos. Reprovado em matemática, mudei de escola. Ainda me lembro quando eu parava de conversar na hora da chamada só para ouvir a única professora que não chamava por números e sim pelos nomes. Na voz da professora era o nome mais doce: “Sofia Albuquerque”. E mais doce ainda eu ouvia: “Presente professora”. Assim, sem ironia. Das colegas de sala foi a única que nunca se afastou das minhas lembranças, por quê? Um dia eu explico a razão de um desprezo. O que é diferente contradiz o ego.
O tempo volta? Não. Não volta. Nem as pessoas voltam. Os caminhos se cruzam e as pessoas se encontram. A universidade agora é esse ponto de encontro. Os corredores é o lugar onde nos vemos. E o tempo, um pivô das coisas acontecidas que se tornam reminiscências.

            O meu nome é Aparecido Santos, mas não sou aparecido e nem santo, gosto de estar presente nos lugares onde eu tenha informações que me fazem compreender as pessoas, pois sou uma pessoa incompreendida. Às vezes eu apareço e perco a santidade, como disse, gosto de estar informado.
O tempo que era já não é, mas continua sendo um tempo de falas esperadas, pois todo mundo já gostou de alguém, mas não soube como dizer.