A música do Roberto Carlos tocava no rádio de um dos carros parados
frente à sorveteria em que estávamos. “Amanhã de manhã, vou pedir um café pra
nós dois”. Tomávamos sorvetes, outros, cerveja. Antes, a canção “Eu e Ela”
ganhara dimensões em nossos corações, mesmo não concordando com os dizeres:
“Coisas lindas são faladas na madrugada”. – Na hora do meu sono não consigo
dizer nada. Nem sonhando. Coisas bonitas são ditas na hora certa, agora, se for
a Paula Fernandes, pode ser de madrugada, eu acordo.
Mara estava linda em cima dos saltos, mas confessara, aqueles sapatos lhe
faziam bolhas nos calcanhares. A estética vale mais que o conforto? Penso que
sim. Pensando por elas. Uma amiga minha economizou três meses para comprar um
vestido que para mim não valia quinze dias, mas gosto é opinião e ter opinião é
uma questão de opinião. No meio de tantos vestidos que cobririam a pele, escolheu
um que não lhe guardava o corpo. Queria arrasar na festa. A natureza é
feminina, mas desconhece a estética para propor o conforto. No dia em que a
minha amiga usou o vestido, o tempo mudou. Tremendo, ela suportou o frio.
Negou-se a usar um casaco, pois a jaqueta era feia, o vestido era lindo e ela
estava elegante.
Mara estava elegante, mas os sapatos não pensavam assim – se é que os
sapatos pensam, pois se pensassem, seriam inimigos mortais no dia em que não
quisessem sair.
Os cabelos soltos, compridos,
negros. Calça justa e de tão justa parecia que o corpo escondia a calça e não a
calça o corpo. A blusa com gola em “v” era normal.
— Amanhã de manhã, você vai pedir um café pra nós dois?!! – Ela disse
sorrindo. A conversa voltou para a canção que ganhou pauta de filosofia.
— Posso pedir.
Falei. Mais querendo ser romântico que elegante. É uma estética. Você diz
que me ama e eu vou responder da mesma forma para o instante ficar bonito. O
conforto é verdadeiro. Pensei no quanto é elegante convidar alguém para tomar
um café. Penso também como é deselegante convidar alguém para conhecer o
apartamento. O café é um grão que se torna pó, que vira líquido. Depois de
fervido se torna elegante. Todo mundo convida ou já convidou alguém para tomar
um café.
— Acho cafona essa coisa de convidar uma mulher para um cafezinho...
Mara disse sem rodeios.
— Eu acho elegante. – Respondi convicto, pensando na teoria do professor
Edilson Ortiz. Contou-me certa feita que, no intervalo de um curso, notou que a
sua colega – também adepta à ideia de que é cafonice convidar alguém para um
cafezinho – aguardava o pessoal para os comes e bebes. Ele, certo da sua
teoria, usou a prática para convencer a moça, que não mudava de opinião. Enquanto
ela esperava, ele lhe apresentou dentro de uma bacia outro fruto da terra, uma
banana. A moça espantou-se. Observou o
gesto sem entender. Depois de esboçar um embaraçado sorriso, indagou:
— “O que é isso”?!
Ele explicou:
— Já vi muita gente convidar alguém para tomar um café, mas nunca vi
ninguém convidar outro pra comer uma banana.
A moça mudou de expressão e aderiu-se a elegância de um cafezinho.
Depois de ouvir, Mara lançou-me um olhar demorado.
— Amanhã de manhã, vou fazer um café pra nós dois...
Sorri.
— Que tal à tarde?
— Pode ser. Um convite para um cafezinho é elegante a qualquer momento.