Quando
o rei Verbo completou a lista de amigos para a festa de posse em sua casa, ele
percebeu, havia dez convidados. As pessoas mais importantes da comunidade
Escritando estavam relacionadas, mas faltava-lhe alguém. Ele, o rei do Estado
das Ações, precisava urgentemente escolher uma companheira que o ajudasse a
governar e a expandir o seu reino. O Estado das Ações ficava à beira do rio
Necessidade, esse cortava as montanhas altas e trazia suas águas do País da
Gramática, cujo rei, Lobato, edificou antes de se tornar imortal. Apenas uma
rua separava a cidade de Belas Artes da cidade de Revisão no País da Gramática.
Substantivo,
rei da cidade de Coesão e irmão do rei Verbo, o aconselhou que enviasse
Palavra, sua irmã conselheira e esposa de Escritor, até a cidade estrangeira de
Coerência e lá escolhesse uma noiva digna de seu apreço e de seu reinado.
Ficou
decretado que, no dia vinte e cinco do mês de julho, a cerimônia começaria logo
após o sol apontasse nas montanhas. Escritor foi o escolhido para organizar
tudo, deixando a cargo de Leitor toda a oratória da cerimônia. Leitor era
sujeito perspicaz, de olhar arguto e de fácil improviso. Podia mudar seu discurso
no meio da oratória. Do púlpito de uma cerimônia, era capaz de perceber alguém
no meio da multidão falando de dentes trincados para não deixar escapar a
dentadura.
Sob
a direção de Criatividade, senhora de estimado valor, ficou decretado: os
convidados seriam os organizadores da festa e cada um cumpriria os seus
serviços conforme foram criados aos seus destinos. Artigo assistiria ao
substantivo em tudo que ele precisasse. Adjetivo fora escalado para cuidar da
aparência da festa, claro, tanto ele como Artigo e os demais convidados
especiais deviam estar com suas equipes. Como fora o caso do Numeral que, junto
com os Cardinais, os Ordinais, os Fracionários e os Multiplicativos,
organizariam quem seriam os primeiros, quantos a ficar perto do rei e, ao
final, saber quantos havia na festa. A comunidade Gramática estava relacionada
nos convites do rei. Para sabermos, o importante é o casamento, portanto, aqui
descreveremos apenas o acontecido, deixando para outro tempo as minúcias dos
trabalhos desempenhados pela comunidade Escritando.
Nem
tudo corria bem na Cidade de Artes Belas, sede do governo e capital do país
Criação no Continente Humano.
Inspiração provocava Talento apontando-lhe
incompetências, falta de decoro e tamanha ausência de vontade em desenvolver os
projetos que ela lhe colocava nas mãos. Talento retrucava, dizendo que ela se
colocava acima dos demais. Transpiração, sem muito que fazer, convocou Sintaxe
e Ortografia os três entraram na guerra contra o rei Verbo, a mando da
Comunicação. Inspiração e Talento mudaram de estratégia, ficaram amigos e
aderiram suas forças ao grupo radical “Inimigos do Rei’. A Líder Comunicação,
que se candidatou ao cargo de ministra, acreditava chegar ao poder antes que o
rei tomasse posse. Havia uma chance de ela conseguir isso, as eleições
aconteciam antecipadas para que os reis pudessem apresentar, na cerimônia, seus
ministros. Comunicação tinha um forte poder. Mídia estava do seu lado e
colocara a serviço todos os impensantes de destaque na sociedade. Comunicação
guardava uma razão, queria ser ela a esposa do rei e estava disposta a qualquer
sacrifício para impedir o casamento.
Houve
conflito e morte na Rua das Letras, mataram Consciência. Todos sentiram. A
sociedade dos impensantes feriu com dizeres a senhora Criatividade. Ela clamou
ao rei uma interferência, mas ele nada podia fazer antes do seu casamento.
Mais mortes aconteceram na Rua Liberdade: com
um tiro no coração, mataram Pensar. Um dia antes, Pensar viu tombar em sua
frente com um tiro de fuzil o seu melhor amigo, Bom Senso. Um vazio se estendeu por todo o país Criação. Os “Envelhecíveis”, assim conhecidos por
todos, eram conselheiros do rei. Pensar quis apenas fazer um discurso em defesa
do amigo Bom Senso, líder fundamental para o bem da sociedade em que residia,
mas o executaram, sem dó e sem pudor.
Três dias de luto. Decretou o rei.
Vinte e cinco de Julho. O ano não foi
revelado.
Escritor achou por bem não especificar o ano,
nem detalhar as horas, pois o tempo no país Criação é contado em Kairós. Todo
instante é tempo para uma novidade.
Uma
música tocava. Todos ali curvaram o seu coração ao som da música. Silêncio
tocava com veemência e virtuosidade o seu violino. Não embolava as notas. Na
hora combinada o rei aguardou sua noiva. Ela vinha ao seu encontro com um sorriso
de quem chega para casar. Palavra lhe apresentou Verba, moça do bem, nascida na
cidade de Coerência e propensa a ajudar os mais necessitados. Verba tinha uma
boa aparência, era educada nos mais sublimes confortos e falava vários idiomas.
Escritor e quase todos os presentes aplaudiram
com palmas fortes o sim dos noivos. Todos gritaram:
“VIDA LONGA AO REI VERBO! LONGA VIDA À RAINHA
VERBA!”
Leitor estendeu alguns dizeres finalizando a
sua belíssima oratória. Comunicação e Mídia ameaçaram um protesto, mas foram
advertidas: se armassem barracos, seriam levadas imediatamente à prisão e todos
saberiam dos seus crimes. Elas estavam envolvidas na morte dos Envelhecíveis, mas
só seriam julgadas e presas após a posse do rei.
Um ano se passara desde esses acontecimentos.
Comunicação e Mídia aceitaram o governo do rei Verbo, mais pelo carisma da
Rainha Verba. Escritor convocou uma reunião com a comunidade Escritando. Mídia
e Comunicação estavam presentes. Elas concordaram: o rei precisa mesmo dessa
esposa.
Houve consenso no país Criação. A rainha
Verba era competente, convenceu os inimigos e ganhou mais respeito dos amigos.
Leitor, que via tudo, disse para Escritor: “Sem
Verba não há rei sábio que governe o país”. Escritor meneou a cabeça
verticalmente em vários movimentos rápidos, abraçou Palavra e sorriu. “Bela sacada”. Disse Palavra.