sábado, 1 de março de 2014

ADULTA INFÂNCIA



            Recado estranho: “Du’Marques, eu ainda kurto Suddenly, viu?”. No Facebook a minha postagem anotava três dias, mas o comentário, recente. Na foto uma borboleta azul trazia o nome Anny Lee. Os álbuns não abriam e eu fiquei preso às indagações. Solicitei uma amizade. Aos trinta e dois anos ainda não conhecia alguém com esse nome, mas conhecia Suddenly, minha canção favorita na adolescência. Eu postara o vídeo depois de ver Billi Ocean cantando na TV. Sou pianista e há dez anos vivo da minha música. Nunca toquei a canção da minha infância.
Verdes tempos, com dias dourados e noites prateadas. Um céu que sorria de dia e de noite contava poesia. O vento fazia música. Infância, para lá é que me transporto. Subo nas amoreiras, corro pelo quintal de folhas varridas, mergulho nos rios de águas rasas, escuras.  Às tardes de quase todos os dias, o futebol de rua. Descalços, chutávamos bolas de meias. Na brincadeira de esconde-esconde eu escondia com ela. Por um tempo ninguém nos achava. A escuridão nos cobria. Ficávamos colados, invisíveis ao pé da árvore do vizinho. Nas estações do ano tínhamos tempo para olhar a lua que nos vigiava com um riso prateado.
Na primavera dos meus treze anos, acordei com o sol esquentando o meu sono. Despontei na sala como um zumbi, depois de passar pelo corredor de paredes com tábuas na horizontal. A minha altura, o olhar tímido e voz com som de poesia. Ana Laura me emprestava a beleza da manhã através de um sorriso. Parada, em pé na porta entre a sala e a cozinha, me viu despertar. Disse que pretendia me surpreender e observar se era verdade que os meninos não acordam de mau humor. Eu bem sabia que ela estava indo embora. Embora de mim, da nossa pequena cidade, da nossa infância, dos nossos vinis, se retirando dos nossos momentos como o tempo que não espera voltar. Ela se foi. Demorei para acordar, compreender a ausência e a conviver comigo. Demorei em Suddenly até que a canção me esqueceu. Ainda ouço Billi Ocean, mas fujo de Suddenly, o meu coração não aprendeu a voltar nessas saudades. Os nossos vinis permaneceram por algum tempo na sala, agora ficam guardados em algum lugar em mim.
Dias desses voltei. Na TV Billi Ocean deslizava sua voz entre os acordes de um violão. A canção me levou ao menino cujo apenas metade se tornara adulto. Por uma estranha razão ouvi Suddenly por inteira. Tomado de lembranças, cheio de saudades, postei um vídeo. Queria dividir com o mundo os meus sentimentos. Anny Lee aceitou o meu pedido de amizade. Na linha do tempo um recado ofereceu luz ao meu coração:

Encontrados por uma muzk, rsrrsrs. Sou a Ana Laura, lembra? Já sou mãe, tenho um filho de 5 anos, mas to solteira a 4. Já ñ posso + brinkr de esconde-esconde, rsrrs, tenho 31 anos. Kkkk. Suddenly! Gosto tanto dessa canção que a adotei em meu nome. Ly representa o som da última vogal, por isso, Anny Lee. Eu estava no teu show quando vc stv aki, to flz por te axar, Bjo”.

Há anos nos procurávamos, mas pelos nomes certos.
 Sento-me na cadeira vazia que dá visão à pista. O aeroporto está quase cheio. Falta meia hora para o avião chegar. Não sei quem eu espero: uma promotora de eventos ou Ana Laura, agora uma mulher mãe, empresária autônoma que curte Suddenly. Desligo-me do tempo olhando no notebook as fotografias dela. Os minutos avançam e os meus olhos são tomados de encantos. Ela abre um sorriso quando me vê. Nossos corpos se encontram num abraço demorado.
Ela entra no meu carro. Nos nossos olhos, encanto; no som do carro, Suddenly.