quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

O QUINTO SUSPEITO - RUBEM FONSECA



Rubem Fonseca  
É um contista, romancista, ensaísta e roteirista brasileiro
Fonte: Livro O romance morreu. Companhia das Letras, 2007, (pg. 157).
                         
Hoje publico aqui O QUINTO SUSPEITO, uma das crônicas mais linda do Rubem Fonseca.


            Costumo usar, alternadamente, dois relógios de pulso. O que prefiro, por motivos sentimentais, mostra apenas o dia do mês. O outro, além do dia do mês, tem o dia da semana. Desde criança nunca lembro, sem fazer algum esforço mnemônico, qual é o dia do mês. Nos últimos anos, trabalhando apenas em casa, também não consigo recordar, sem mobilizar minha memória, o dia da semana.
Rotineiramente, depois de usar algum tempo o relógio que mostra apenas o dia do mês, cansado de ficar verificando nos meios disponíveis qual o dia que está transcorrendo ­– é sábado ou domingo? –, volto a usar o relógio que informa também o dia da semana.
Ponho sempre o relógio que não estou usando sobre uma mesinha da sala. Segunda-feira, depois de usar um dos relógios por vários dias, fui trocá-lo pelo que mostra, além do dia do mês, o dia da semana, mas ele não estava na mesinha. Eu tinha certeza absoluta de que o vira naquele local. Alguém tinha tirado o relógio dali. A moça que trabalha na minha casa, ao ser indagada, disse que não havia mexido no relógio. Assim como os meus filhos, que constantemente me visitam, ela está acima de qualquer suspeita. Mas eu tinha quatro suspeitos, pessoas que haviam estado naquela sala nos últimos dias.
O primeiro suspeito: o técnico que veio consertar as cortinas. Ele possuía uma cara patibular, de alguém que está tramando um crime ou sofrendo de um tormentoso remorso. Só que, desde Lombroso (1835-1909), está totalmente desmoralizada a tentativa de descobrir alguma predisposição à delinquência analisando as características físicas do indivíduo. Não existem caras honestas se contrapondo a caras desonestas. Existem, apenas, convencionalmente, caras feias e caras bonitas. Mas podia ser ele.
O segundo suspeito: o eletricista. Seu olhar era esquivo, como o de um bicho em situação de perigo. Olhava de esguelha, fingindo que não estava observando coisas e pessoas à sua volta. Quando eu me aproximava, ele parava de trabalhar e ficava contraído, como se fosse dar um bote ou fugir. Eu tinha de reconhecer, porém, que se ele não agisse com cautela corria o risco de levar um choque elétrico. Mas podia ser ele.
O terceiro suspeito: o relojoeiro que veio consertar o relógio da parede, uma velha peça mecânica em forma de oito que fica sobre a mesinha onde estava o relógio de pulso. Era um homem gordo, de aspecto bonachão. Costumamos achar todos os gordos felizes, confiáveis o bondosos. – ao contrário dos magros, que desde Shakespeare são vistos como famintos e perigosos. Mas esse é mais um embuste da falsa ciência conhecida como fisiognomonia. (Quem estiver interessado nessa “arte de conhecer o homem segundo as feições do rosto.”– e parece que muita gente ainda acredita nessa falácia do século XVIII –, que leia Arte de estudar a fisionomia, de J.K. Lavater. É um livro interessante.) O relojoeiro era gordo e bonachão, mas parecia ser ele.
O quarto suspeito: o rapaz da farmácia, que, para entregar-me uma encomenda no local da casa onde eu estava trabalhando, passou pela mesinha em que estava o relógio. Ele ficava olhando em volta, alerta, astuto, como um desses assaltantes de rua. Nem a paisagem que se via da janela escapou do seu olhar curioso. Podia ser ele.
Eu tinha uma lista de quatro pessoas com oportunidade de cometer aquele crime. A questão era descobrir o delinquente. Então me lembrei das aulas de Direito penal, na faculdade de Direito, das nossas discussões de que não havia delinquentes, mas indivíduos anti-sociais, nem crimes, mas fatos indicativos da anti-sociabilidade do autor. E lembrei-me também do brocardo (estou citando de memória): “O testemunho é a prostituta das provas”, testemunho incluindo as declarações da vítima e a confissão de autoria.
Para provar essa teoria de que a prova testemunhal não é fidedigna, foram feitas muitas pesquisas curiosas. Estas duas, entre várias, são clássicas:
Uma mulher vestida de vermelho, com braço numa tipóia, atravessa uma sala onde estão várias pessoas e desaparece. Mais tarde os pesquisadores perguntam aos presentes se viram uma mulher passar pela sala e como ela estava vestida. Conforme as respostas – alguns nem sequer a viram –,  ela estava de preto, cinza, bege e uma pessoa disse que a viu passar um homem vestido de vermelho. O braço na tipóia passou totalmente despercebido.
Um professor de Direito e dois alunos criam este ato dramático: os dois alunos, no meio da aula, de acordo com rigorosa marcação teatral, começam uma violenta discussão e um deles, de acordo com o script, saca um revólver e atira no outro, que também está armado e revida atirando por sua vez. Os dois caem ao chão feridos e pretensamente são transportados para um hospital. O professor pede que os alunos permaneçam na sala para que a polícia tome conhecimento exato do que aconteceu. Os alunos são ouvido em separado. Nenhum depoimento coincide. A iniciativa da agressão ora é atribuída a um, ora outro; as palavras ensaiadas que os brigões trocaram na discussão são reproduzidas de maneira diferente e muitas são inventadas pelos depoentes.
Ou seja: o testemunho é mesmo a prostituta das provas. Caberia aqui uma discussão filosófica sobre os motivos pelos quais o mesmo objeto ou situação é percebido de maneira diferente por pessoas diferentes, mas ficaria muito longo. A questão é que, depois de pensar isso tudo, concluí que até então eu havia deixado de lado um quinto suspeito.
O quinto suspeito era eu. O meu testemunho, a minha certeza absoluta de que havia visto o relógio de pulso na mesinha talvez não expressasse a verdade. Então comecei a solucionar o mistério partindo do quinto suspeito. E isso não apenas foi confortável espiritualmente, pois desconfiar dos outros é muito desagradável, como acabou resolvendo a charada: eu havia inconscientemente, por algum motivo, deixado de seguir a rotina e posto o relógio em outro local. Minha certeza de que o vira na mesinha não passara de mais um equívoco testemunhal. Estou com o relógio no pulso, neste momento. Sábado, dia 3.


                           Fonte: Livro O romance morreu. Companhia das Letras, 2007, (pg. 157).
                         

sábado, 29 de outubro de 2016

É SÓ DAR UM CLIC



            Há muitas informações. Não dá mais pra dizer que não soube, ou que esqueceram de avisar. É só dar um Clic. Se o tempo é uma questão de prioridade ou se prioridade é uma questão de tempo, é só dar um Clic.
            Dizer também que não achou, que não sabe onde. Na era da informática, é só dar um Clic. Em Inglês, Português, Espanhol, Mandarim, qualquer língua. O ato é o mesmo. Pode ser no instante de um instante, um momento depois, no antes do antes, no após do após. O importante é dar um Clic.
            No tempo de acordar, no instante de dormir. Antes de chegar ou antes de sair. No período em que nem se chega nem se sai. Aquele momento em que nos perdemos de nós mesmos, aquela ocasião em que nos achamos em nós mesmos. É só dar um Clic. Achar-se e perder-se é constante. Somos feituras de outros: metade opiniões, a outra, busca ser completa.
            Mas antes de dar um Clic, pense. E se possível, repense. Se houver motivos, ‘despense’. Mas o melhor é refletir. Por que mesmo que não sei? Por que mesmo que não procurei? Por que foi que não visitei?
            Na era das redes sociais, não cabe dizer que não viu, nem que não olhou, ou não encontrou. No tempo das informações, não dá para vestir a Inércia com o manto de um “não deu”. Não querer e não importar possui o mesmo sentido de um “tô nem aí”. Ninguém esquece o que realmente importa. E para saber o que é importante...
            Nesses dias de muitas visualizações é fácil Curtir alguns Likes, abrir links, fazer downloads, usar o Iphone e consultar alguns amigos. E se quiser que tudo corra bem, é só dar um Clic. 

   
           


terça-feira, 25 de outubro de 2016

A VIDA A GENTE CONTA EM SEGUNDOS



A gente não pensa. Mesmo quando a gente dorme, a vida é contada em segundos. E quando acordamos?! E no instante em que somos sono e despertar, sentamos à beira da cama e pensamos: quanto tempo falta para a hora? A hora de enfrentar o dia, um compromisso qualquer, ou simplesmente levantamos e não queremos saber de hora nenhuma. Mesmo sabendo, ou não sabendo, envolto em horas certas e incertas, a vida é contada em segundos.
Em dados momentos, não sabemos se é o tempo que nos transforma ou transformamos o tempo. Em meio a gritos, buzinas e ritos, somos arremessados nos instantes inesperados. Correndo de um lado a outro, como se, correndo, desapressássemos a vida que é contada em segundos.
Houve um tempo em que uma carta demorava um mês, uma viagem conversava com os mares e a pressa não cabia numa prosa. Houve uma ocasião em que uma canção nos acariciava os ouvidos e a gente esperava tanto por um disco novo. Existia um período em que copiávamos longos textos e a nossa letra não doía. Hoje fotografamos os quadros, nos encontramos nos e-mails. Fortalecemos os laços de amizade no WatsApp e se algo demora, a calma se perde por segundos.  
E por lembrar-se da pressa, apertamos o tempo e aceleramos nossas artes. Nossos olhos não demoram mais na beleza. Nem nossa inteligência busca o profundo nas invenções. Mas como questionar a beleza, se os olhares que a interpretam são compostos de sentimentos-instantes? A verdade é que não questionamos o que os nossos olhos e ouvidos classificam como belo. 
Não há calma na calma. 
A vida é composta de coisas belas, feias, tolas. Sim. É feita de belezas feias e de feiúras belas. E no instante em que nossas dores pedem alívios, nossas alegrias pedem sorrisos. A gente se estabelece. Olhamos para trás e fixamos repouso no que o tempo ajuntou. Selecionamos então os momentos memoráveis e com um sorriso dizemos: como aquele tempo era bom! Como se o ontem importasse mais que o agora e o agora, é tempo contado em segundos. 
O passado parece tão distante. Mas no momento em que o invocamos parece presente e de tão visitado parece real. Vivemos buscando significados que intensificam nossas alegrias para reforçar a lembrança dos nossos bons momentos. Significamos nos instantes, sejam eles belos ou feios. E se nas significâncias não aprendemos o valor da vida, é porque nos faltou olhar com jeito, devagar, com delicadeza, como movemos nos segundos.




domingo, 14 de agosto de 2016

SILÊNCIO NO JOGO



Quando abri a porta estava lá o Leandro com uma bola novinha nas mãos. Atrás dele, os amigos, com um sorriso dizendo: vamos?! A minha reação foi em voz alta: Ouuutraa?!  Todos riram. Em uníssono ouvi: e novinhaaa! Completava dezenove dias que a bola anterior, que era minha, fora destruída pela dona Elmira.
Todos da turma perderam uma bola no quintal da vizinha. O Leandro perdera algumas. Às vezes não era a bola caída no quintal, eram os gritos de gols que incomodavam aquela jovem senhora. Muitas vezes ela vinha até a rua e, quando menos esperávamos, a nossa bola se ia. Os goleiros tinham de cuidar para não tomar gols e ainda espreitar a brava vizinha. O nosso problema era mais técnico: não era permitido dar chutões. Caso isso acontecesse, quem deu o chutão, ficaria de fora por cinco minutos, prejudicando a sua equipe. A regra era aceita para que evitássemos mandar a bola no quintal da malvada.
A rua estava suja. O mato sobressaía, impossibilitando a bola de rolar tranquilamente. Foi quando o Jair teve a ideia de limpar a rua. Deixamos a bola de lado e partimos para a limpeza, tirando também os entulhos da frente da casa da vizinha. 
A rua ficou limpa. A partida começou. Nunca fizemos tantos gols e gritamos tanto. Deu empate, 19x19, com dois gols inválidos para cada lado. Terminamos o jogo, com a bola. Na tarde seguinte, a bola já não era mais nova, mas a nossa alegria sim. Foi numa dividida entre o Jair e o Leandro. A bola escapuliu. O Mauro vinha correndo para receber o passe, a bola bateu nele e foi repousar no quintal proibido.
Sabendo da impossível continuação do jogo, nos restou sentar e ver aquela senhora com uma faca destruindo a nossa alegria. Aguardamos. Silenciosos, atentos. Dizem que a gente se acostuma com a dor, mas nunca nos acostumamos com as bolas destruídas. Durante dez minutos, ali, esperando, nada aconteceu. Acho que a nossa tristeza não está em casa. Falou o Edinho quebrando o silêncio. Sorrimos. Ele tinha razão, mas quem iria lá buscar a bola? Ninguém tinha coragem de ser novamente enxotado, tendo que, além de correr, se desviar das pedras do estilingue da senhora.
Dona Elmira era uma mulher de trinta e cinco anos, sem riso, alta, braços fortes, cabelos amarelos presos com um lenço. Usava sempre vestidos longos. Vivia trancada dentro de casa. Perdeu o marido e o filho num acidente de trator quando moravam numa fazenda. Após um longo tempo se escondeu ainda mais dentro de casa e só saía de lá para mirar seu estilingue ou acabar com o nosso jogo. Não recebia visitas, nem visitava ninguém.
Após um período de espera, caminhei lentamente. Fixei as mãos sobre a grade. Observei. Com olhos atentos vasculhei o quintal. Olhei para o pessoal que não se movia atrás de mim. Fizeram sinais com a cabeça para que eu pulasse. O que fiz com destreza. Aguardei um instante agachado, buscando ver de qual lado da casa ela iria surgir. Nada. O silêncio. A ausência dela estranhava. Pensei no que o Edinho disse: a nossa tristeza estava viajando. Encontrei a bola em baixo de um canteiro suspenso. Peguei e voltei correndo. Antes de chegar à grade, joguei a bola e saltei.
O jogo continuou, mas não estava agradável. Parecia nos faltar algo. Paramos a partida. Como se esperássemos pela dona Elmira, olhamos na direção da casa. O Leandro levantou e caminhou em direção ao quintal com a bola na mão. Enfiou a cara por entre as grades e observou a casa. Repeti os mesmos movimentos. Alguns minutos depois estávamos ali, todos, com as caras na grade, olhando, vasculhando o quintal e observando a janela, pela qual ela abria só para atirar em nós algumas pedras de barro. Com a destreza de sempre, saltei dentro do quintal e fui bater na janela. A curiosidade de olhar dentro da casa era maior que o medo de estar na mira da senhora vizinha. Bati na porta. Gritei. Bati na janela sem medo de estourar os vidros. Escutei um “me ajuda”. Gritei novamente e a voz ecoou em maior altura: “me ajuda, pelo amor de Deus”! Gritei meus amigos e pela porta dos fundos entramos na casa.
Dona Elmira estava caída, com uma das mãos apertando um pano dobrado na cabeça. Uma escada por cima e um pé preso em um dos degraus. Nunca soubemos quanto tempo ela ficara ali esperando por socorro. Chamamos os Bombeiros. Os paramédicos chegaram. Ela tinha uma costela quebrada e a cabeça suja de sangue seco.
Durante dias jogamos bola na rua e cuidamos da dona Elmira. Entrávamos na casa antes dos jogos e depois dos jogos. Ela dizia o que precisava e a gente providenciava. Isso durou até que ela se recuperasse por completa.
 Chegou um tempo em que não tínhamos condições de comprar bolas. Para que não incomodássemos a vizinha com o nosso futebol, os nossos pais não nos davam dinheiro. Ajuntamos alguns sacos plásticos, enrolamos fitas adesivas até que se tornasse uma bola.  Após uma semana jogando com a bola de fitas, a dona Elmira surgiu pelo lado de sempre. Pegamos a bola e nos recolhemos num canto da rua. Ela se aproximou sem riso. O olhar fixo em nós. Usando bermudas e calçando tênis. Nas costas, a bolsa das pedras, mas sem o estilingue nas mãos. Aproximou. Ficou parada por alguns instantes buscando olhar o nosso olhar. Não cabiam palavras em nossas bocas, o medo levara todas as letras. Ela tirou das costas a mochila das pedras e disse: quero lhes dar algo, mas com uma condição. Assentimos com a cabeça.  Ela tirou uma bola nova, novinha. Colocou-a no chão. Atirou para longe a mochila das pedras. Colocou um pé sobre a bola. E com meio riso, apontou a bola e disse: querem saber qual a condição de vocês ganharem essa? Vou jogar com vocês.





sábado, 23 de julho de 2016

GOSTAR É TÃO SIMPLES


Por que gostamos? 
Gostar. 
Gosto-estar.  
Esse é o único momento em que nos desligamos dos instantes para prestar atenção em nós. Aquela frase que faz bem. Aquele riso que escapou de alguém. Aquele livro que esbarrou nos desejos. As palavras de uma canção. A melodia de uma música. O abraço que abraça. O beijo que não beija. O beijo que beija. O olhar que navega em nosso ser procurando enxergar a nossa alma.

Gostar é mesmo simples. A simplicidade provavelmente nasceu de um gostar. Foi quando o simples encontrou razão na idade e, na conexão, tornou-se: simplicidade. Assim, com jeito de significados, sem se importar com as significâncias.

A simplicidade dura pouco. Às vezes nem chega virar palavra. E também não chega a ter um sentido. Gostar também. Dura o tempo que quiser e não aponta uma causa. E há momentos em que chega a ser excêntrico. Estranho. É quando o gostar nos traz uma razão para sermos felizes e nós, assim, com medo de girar a cabeça, fixamos os olhos nos montes. No céu azul. Na poeira que embaça nossos sapatos. Nas palavras que banham nossos egos. 

Gostar não devia ser complicado. Mas complicamos. Complicamos quando desprovido de nós, deixamos transbordar a essência do outro que não cabe em nós. Complicamos, quando, cheio de nós, derramamos nossos excessos nos sorrisos que nos cercam. Complicamos, quando, a força do espelho, nos levam a um ghost star e não nos deixa pensar nas causas quando vestimos silêncios. 

Gostar é simples. Há uma razão para isso. Gostei. Do abraço da criança que sem conhecer-me, pediu que lhe amarrasse o tênis. Do espalhado sorriso da mulher de cabelos brancos quando finalizei a canção. 

E por falara em gostar;

Gosto da canção que toca, enquanto gosto da imagem no espelho, após um dia cinzento.



sexta-feira, 24 de junho de 2016

A VIDA É UMA TRAVESSIA



... Chega um tempo em que a gente faz parte de alguma coisa; de algum instante; de algum momento; de alguma alegria; de alguma tristeza; de algum sorriso; de algum abraço; de algum aperto de mão; de alguma razão.
... E chega um tempo em que alguma coisa, algum instante, algum momento, alguma alegria, alguma tristeza, algum sorriso, algum abraço, algum aperto de mão, alguma razão, faz parte da gente.
... Chega um tempo em que a gente quer correr sem rumo; fazer perguntas sem precisar de respostas; responder sem ser necessário perguntas; não perguntar; não responder; mas ter interesse na explicação.
... E chega um tempo em que não queremos explicar nada; nem entender o que pecisa ser explicado.
... Chega um tempo em que ansiamos ser grandes, porque nos cansamos de ser meninos; chega um tempo em que desejamos ser meninos, porque nos cansamos de ser grandes; chega um tempo em que persistimos no médio, porque menino ou adulto, tanto faz.
... Chega um tempo em que fazemos parte do tempo, apenas porque não podemos escolher; nem desviar  da escolha do tempo.
... Chega um tempo em que precisamos ser tudo, mas fazer parte apenas do que vale a pena.




terça-feira, 21 de junho de 2016

O 3º OUTRO



Quando vi o relógio dentro da caixa no balcão de vidro, escapou de mim um “é esse”. O primeiro impacto me levou a um desejo antigo: era desse que eu precisava. Quanto sonhei com uma relíquia daquela no pulso direito. Observei o preço. Analisei as formas de pagamentos. Contei meus trocados. Os valores se equivaliam.
Olhei o mostrador, o pino para dar corda, a pulseira, o fecho, os ponteiros. Meu coração era de um menino recebendo a primeira bicicleta. Sim, será esse! As formas de pagamentos também eram instigantes. Poderia pagar com cheques, com cartão de créditos, mas optei por cédulas. A atendente observou o meu gosto antigo e lançou-me um sorriso de selfie. O desdém da atendente jogou luz nos meus desejos. Pensei em como abandonar um sonho antigo. Foi com esse pensar que descobri os Outros que há em mim.
O primeiro Outro queria o relógio antigo porque era sonho de criança.
O meu avô ostentava com brandura a relíquia comprada em uma das suas viagens, que ele dizia, ter feito na Suíça.  Já o meu pai adquiriu a sua relíquia na 25 de março. Como o meu avô, o meu pai adorava dizer as horas. E quando ninguém perguntava, dizia: é um relógio caríssimo, mas costuma atrasar as horas.
O segundo Outro, desejava o relógio antigo para o pai.
O presentearia no seu aniversário: vinte e cinco de dezembro. Quem sabe o velho sentirá orgulho dos meus negócios e não mais me culpará pelo sumiço do seu relógio.
O terceiro Outro, entrou na loja seduzido pelas propagandas.



quinta-feira, 9 de junho de 2016

ENQUANTO O AVIÃO CAÍA

  
Joaquim. Há tempos não encontrava um. E mais tempo ainda não ouvia esse nome. Na conversa dos nossos cotovelos restava apenas ser singular no imenso mínimo de uma poltrona. Queria sobrar para contar isso numa crônica, amo as crônicas. Postar um Twitter, poucas palavras, contando a insegurança das nádegas ouvindo o trovoar do estômago. Desejei, foi desejo mesmo, tirar uma foto da unha do mindinho do pé direito, postar, Instagram, Facebook, qualquer rede. Era preciso levantar a perna da calça, tirar o sapato, a meia, e o band-aid colocado para não danificar as importantes letras iniciais do nome de um artista. Gravadas com muito amor na mindinha do meu pé. Estendi a mão. Quase um contorcionista. Alcancei o celular. Observei. Ninguém olhava. Nem o Joaquim.
Larguei mão da ideia da foto.
O Joaquim mudou meu pensar.
O homem havia trançado a barba e retirado do casaco um terço. Observou minha cara de foto para o Facebook, respirou fundo, profundo, bem fundo. Tirou da bolsa menor uma bíblia, e do bolso menor da bolsa menor, um frasco contendo água de Israel, rio Jordão. E do bolso minúsculo do bolso menor da bolsa pequena, um jesuscristinho. Joaquim me pediu a mão. Fiz-lhe um sinal de espera e peguei o meu Buda. Joaquim olhou a pequena estátua dourada, arregalou os olhos e ajuntou ao peito o seu jesuscristinho. Respirou fundo, profundo, bem fundo. Joaquim era um homem enorme. Alto, corpanzudo, mãos grandes. Minhas mãos são pequenas e meu corpo, no ar quem se importava com o peso, a aeronave preparava para nós uma chegada unificada.
Rezando em todas as fé, em todas as religiões, invocando os santos da Bahia, a minha mão se escondia na mão dele. Alguns davam gritos, nós dávamos as mãos. Ele beijou o jesuscristinho e o colocou para o meu beijo. Eu beijei o Buda, ele também. Dividimos o frasco da água do Jordão. Os solavancos, horripilantes. O medo de perder o Buda e o jesuscristinho era maior que o de tocar a terra.
O impacto foi aterrorizante.
Alguns segundos entre corpos, bolsas, travesseiros e poltronas soltas. Nossos bancos permaneceram intactos. Joaquim rezava. Estávamos vivos. Ele perdeu o jesuscristinho. Eu encontrei o meu Buda, mas perdi o celular. Fiquei sem Selfies, mas amo as crônicas.  

segunda-feira, 23 de maio de 2016

DESCENTRADO


Eu
que
pensava
Que era indo que se chegava
Descobri que o tempo
Nos leva
De qualquer jeito.


terça-feira, 10 de maio de 2016

A INVENÇÃO DE MARTIN COOPER


Em minha direção caminhava um jovem pela rua. Gesticulava como se cada palavra precisasse de um gesto. Falava alto, sorria demoradamente, ficava sério. No momento seguinte, apenas esboçava um sorriso. As vezes interrompia a caminhada, ficava imerso, concentrado olhando o vazio. Meneava a cabeça. Voltava a andar e sorria um riso alto puro de alegria. À distancia pensei ser uma encenação. Fui me aproximando. Observei o rapaz com o seu caminhar pela rua, feliz, sem se preocupar com o mundo. O moço carregava em si o que eu precisava em mim: o sentimento de andar pelas ruas cantando alto uma canção qualquer; sorrir alto sem se preocupar com quem não conhece o valor de um sorriso; Dar risadas, não do mundo, mas das minhas tolices, exemplo: rir da tolice de rir como um louco pelas ruas sem se importar com os olhares condicionados a rabugices. Ao observar o jovem, convicto, conversei comigo. Até usei um novo falar: ele está falando comigo, véi! Alguém aqui me conhece! As minhas convicções se desfizeram no momento em que me aproximei dele. O rapaz percebendo-me, diminuiu o tom da voz. Diminuiu também os passos. Passou por mim falando baixinho, diminuindo os gestos. Mas conservou no rosto um riso de assunto engraçado. Quando se distanciou, percebi: ele tinha escondido dentro do seu blusão um celular. Os fones de ouvidos estavam cobertos por uma toca. Penso que pelos palavrões ele falava com um amigo. Para mim ele não disse nada, mesmo eu tendo respondido parte das suas falas.  Quando menino, ouvia do meu avô: louco é quem fala sozinho pelas ruas. Hoje eu sei. Na era da informática doidices são normais. Já afastado alguns passos, o jovem tirou a toca e me observou. Voltou a caminhar e sorriu alto: Sei lá véi! Conheço, não. Ele achou que eu estava falando com ele. É cada comédia! ...? Falô, Muleque! Fui! Sorriu e desligou o celular.



sábado, 26 de março de 2016

TEMPO


...Ontem. Era um lugar confortável. Mas chegou o Hoje me falando do Amanhã e quando vi estava caminhando com os Instantes e aprendendo com os Momentos.

♪ ♫

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

O GRANDE MISTÉRIO - SERGIO PORTO



SERGIO PORTO, conhecido também como STANISLAW PONTE PRETA, nasceu no dia 11/01/1923 em Copacabana Rio de Janeiro e faleceu no dia 29/09/1968. Autor de textos carregados de humor e com uma boa dose de ironia, o escritor, cronista, compositor, jornalista e radialista, deixou sua marca na literatura brasileira. No ano da minha 4ª série, no livro didático de língua portuguesa encontrei uma das suas criações, a crônica A VELHINHA CONTRABANDISTA, anos mais tarde voltei a desfrutar dos belos textos desse autor e estou postando aqui outro texto maravilhoso, não deixe de ler. Ah, quer dizer, não deixe de rir.


O GRANDE MISTÉRIO

             Há dias já que buscavam uma explicação para os odores esquisitos que vinham da sala de visitas. Primeiro houve um erro de interpretação: o quase imperceptível cheiro foi tomado como sendo de camarão. No dia em que as pessoas da casa notaram que a sala fedia, havia um soufflé de camarão para o jantar. Daí...
             Mas comeu-se o camarão, que inclusive foi elogiado pelas visitas, jogaram as sobras na lata do lixo e — coisa estranha — no dia seguinte a sala cheirava pior.
            Talvez alguém não gostasse de camarão e, por cerimônia, embora isso não se use, jogasse a sua porção debaixo da mesa. Ventilada a hipótese, os empregados espiaram e encontraram apenas um pedaço de pão e uma boneca de perna quebrada, que Giselinha esquecera ali. E como ambos os achados eram inodoros, o mistério persistiu.
             Os patrões chamaram a arrumadeira às falas. Que era um absurdo, que não podia continuar, que isso, que aquilo. Tachada de desleixada, a arrumadeira caprichou na limpeza. Varreu tudo, espanou, esfregou e... nada. Vinte e quatro horas depois, a coisa continuava. Se modificação houvera, fora para um cheiro mais ativo.
            À noite, quando o dono da casa chegou, passou uma espinafração geral e, vitima da leitura dos jornais, que folheara no lotação, chegou até a citar a Constituição na defesa de seus interesses.
            — Se eu pago empregadas para lavar, passar, limpar, cozinhar, arrumar e ama-secar, tenho o direito de exigir alguma coisa. Não pretendo que a sala de visitas seja um jasmineiro, mas feder também não. Ou sai o cheiro ou saem os empregados.
           Reunida na cozinha, a criadagem confabulava. Os debates eram apaixonados, mas num ponto todos concordavam: ninguém tinha culpa. A sala estava um brinco; dava até gosto ver. Mas ver, somente, porque o cheiro era de morte.
           Então alguém propôs encerar. Quem sabe uma passada de cera no assoalho não iria melhorar a situação?
           -- Isso mesmo — aprovou a maioria, satisfeita por ter encontrado uma fórmula capaz de combater o mal que ameaçava seu salário.
          Pela manhã, ainda ninguém se levantara, e já a copeira e o chofer enceravam sofregamente, a quatro mãos. Quando os patrões desceram para o café, o assoalho brilhava. O cheiro da cera predominava, mas o misterioso odor, que há dias intrigava a todos, persistia, a uma respirada mais forte.
          Apenas uma questão de tempo. Com o passar das horas, o cheiro da cera — como era normal — diminuía, enquanto o outro, o misterioso — estranhamente, aumentava. Pouco a pouco reinaria novamente, para desespero geral de empregados e empregadores.
         A patroa, enfim, contrariando os seus hábitos, tomou uma atitude: desceu do alto do seu grã-finismo com as armas de que dispunha, e com tal espírito de sacrifício que resolveu gastar os seus perfumes. Quando ela anunciou que derramaria perfume francês no tapete, a arrumadeira comentou com a copeira:
         — Madame apelou para a ignorância.
         E salpicada que foi, a sala recendeu. A sorte estava lançada. Madame esbanjou suas essências com uma altivez digna de uma rainha a caminho do cadafalso. Seria o prestigio e a experiência de Carven, Patou, Fath, Schiaparelli, Balenciaga, Piguet e outros menores, contra a ignóbil catinga.
         Na hora do jantar a alegria era geral. Nas restavam dúvidas de que o cheiro enjoativo daquele coquetel de perfumes era impróprio para uma sala de visitas, mas ninguém poderia deixar de concordar que aquele era preferível ao outro, finalmente vencido. 
         Mas eis que o patrão, a horas mortas, acordou com sede. Levantou-se cauteloso, para não acordar ninguém, e desceu as escadas, rumo à geladeira. Ia ainda a meio caminho quando sentiu que o exército de perfumistas franceses fora derrotado. O barulho que fez daria para acordar um quarteirão,quanto mais os da casa, os pobres moradores daquela casa, despertados violentamente , e que não precisavam perguntar nada para perceberem o que se passava. Bastou respirar. 
        Hoje pela manhã, finalmente, após buscas desesperadas, uma das empregadas localizou o cheiro. Estava dentro de uma jarra, uma bela jarra, orgulho da família, pois tratava-se de peça raríssima, da dinastia Ming.
         Apertada pelo interrogatório paterno Giselinha confessou-se culpada e, na inocência dos seus 3 anos, prometeu não fazer mais.
         Não fazer mais na jarra, é lógico.

(Stanislaw Ponte Preta)


sábado, 2 de janeiro de 2016

IDENTIDADES


As luzes se acenderam de repente ofuscando os olhos do rapaz. Após a vidraça, havia um corredor, alguns centímetros acima da janela, um relógio o colocava num diálogo com o tempo. Lucas esfregou os olhos cheios de luz, deixou que as suas vistas percorressem o corredor. Além dos vidros, paredes brancas, sobre o corredor, bancos vazios. Quando alguém despontava em direção ao seu quarto, desviavam-se para a direita. Cada rosto visto deixava no moço a esperança de que alguém pudesse abrir a porta, entrar, sentar-se ao seu lado. Após acender as luzes, a enfermeira recolheu uma bandeja de curativos, checou os ferimentos do rapaz, apagou as luzes, se foi. Sentado em seu leito, Lucas observou-a caminhando até ela desaparecer no fim do corredor.
         “Talvez seja mais simples esperar devagar, o tempo já corre tanto”. Pensou o jovem, observando o relógio no alto.
         Agulha no braço, exames para fazer, médicos atentos, o silêncio do hospital. O relógio aumentava a sua ansiedade. O corredor acrescentava o vazio, mas as janelas abriam-lhe o mundo. Podia ver o corredor, nele, as possibilidades da vida. Os comprimidos começaram a fazer efeito, alguns minutos após a enfermeira deixar o quarto. O sono lhe pesava os pensamentos. Adormeceu.         
         O corpo imóvel numa máquina, o rapaz percebeu antes mesmo de abrir os olhos. Um jovem da sua idade o examinava. O olhar atento, os gestos leves, a fala mansa, anotado no seu crachá: Lucas Barcellos. A máquina foi engolindo o paciente lentamente para um exame de tomografia. Curiosamente estava internado no Hospital São Lucas. As coincidências tomaram conta do jovem paciente, isso lhe alegrou o instante. A máquina devolveu o rapaz após engoli-lo por cinco minutos. Na parede a sua frente um relógio. O som era de dois em dois, o ponteiro saltava no tempo segundo.
O jovem médico ajeitou suavemente a cabeça do seu paciente. Encaixou a copla do aparelho de maneira que não lhe apertasse o crânio, checou um computador, antes de apertar uma tecla, abriu a copla. Ajeitou novamente o paciente, erguendo milimetricamente no aparelho a cabeça do moço. Olhou o relógio no alto, em seguida apertou uma tecla. A máquina voltou a engolir o seu paciente. O moço sentia o ruído do aparelho estalando, acoplado em sua cabeça. Após cinco minutos, quando o medo já rondava roubando-lhe a respiração, a máquina o trouxe para fora. “Prontinho Sr. Lucas”! – exclamou o jovem médico. – “Vejo que está tudo bem, mas os relatórios ficarão prontos após três dias”. Apertou um botão, alguns minutos depois um enfermeiro veio buscá-lo.
O relógio. A janela, o corredor. No quarto em que se encontrava agora, não tinha nada disso. A janela do seu novo quarto dava para um espaço vazio. Podia ver a grama bem aparada, as janelas do outro pavilhão. Uma enfermeira desfez as cortinas, checou a mangueira de soro, em seguida o médico veio examinar. O jovem observou o médico: ele tinha olhos cansados, voz rouca, cabelos desgrenhados, brancos, comparados a lã. Em suas mãos, muitos papéis. No bolso do jaleco, do lado direito, uma insígnia prateada revelava o número do CRM, o nome do velho médico: Dr. Lucas Cellero.  Após apoiar o estetoscópio no moço em vários pontos do tórax, assinou alguns papéis. Com leitura minuciosa, após ler o último exame, ergueu as vistas, observou o calendário fixado na parede. Pelo movimento, o paciente notou que ali havia um calendário. Durante o tempo que ficou ali, o jovem observou o calendário, passou a contar os seus dias.
De volta ao seu primeiro quarto, observou os funcionários do hospital: as pessoas que se iam, olhadas pelas costas, algumas tinham lombos largos, ombros levantados, caminhavam com passos firmes, de cabeças erguidas. Alguns dos que andavam em sua direção, mas não entravam por sua porta, eram contrários aos que iam: tinham ombros caídos, rostos sisudos e passos de quem não quer chegar. O tempo morria devagar, o calendário apontava isso. Lucas, o paciente, notou isso enquanto ficara naquele quarto, viu o sol sorrindo, brincando com a grama. Por vez, desejou ser menino, ir lá pisar naquela grama. “Duas coisas provocam em nós a vontade de tirar os sapatos, pisar descalço: um chão bem limpo e uma grama bem aparada”. Refletiu. “Isso não é mais possível quando a gente cresce. Somos um calendário, no qual guardamos o tempo, marcamos nossos barulhos e silêncios”. Ponderou o jovem acamado.
No lençol azul estava escrito, na cor verde, Hospital São Lucas. Quis o rapaz entender qual a razão da maioria dos hospitais terem nomes de santos. Seria uma proteção aos que nasciam, ou um encaminhamento para o céu por meio do santo escolhido? O rapaz percebeu: estava em um hospital particular. Sozinho num quarto. Do lado de fora, a ausência de pessoas. Os médicos também eram mais pacientes, as enfermeiras ouviam até o final da frase, sem interromper. A sua mente clareou quando os medicamentos tomaram posse do seu corpo. Lucas recobrou a memória. Lembrando aos poucos do acidente que o levou ali. Pensou na repetição dos homens com nomes iguais. Enquanto andava com seu Skate, fora atropelado na rua da sua casa por Lucas Benitez, quase foi a óbito devido a gravidade do acidente. Indo parar ali no hospital São Lucas, fora atendido por Lucas Barcellos, o técnico de Raio-X. Sobre os cuidados médicos do Dr. Lucas Cellero, ficou internado por vários dias. Por temer a morte que ameaçava mostrar-lhe o além, o paciente Lucas leu o Evangelho de Lucas, com medo de queimar no inferno por toda a eternidade.